Há poucos dias (mais precisamente
quatro), a Igreja celebrou liturgicamente um dos privilégios concedidos por
Deus a Virgem Maria, declarado de modo solene como Verdade de Fé pelo Santo
Padre Pio IX, em 1854, a graça que recebeu de ser concebida sem a marca da
culpa original, em previsão dos infinitos méritos de seu Filho.
Aqui na Região Metropolitana do
Recife, como em vários outros lugares do Brasil, a Santa Mãe de Deus é
extensamente venerada pela piedade popular nesse dia. Gentes de todas as
idades, cores, sexos, classes sociais, sobem anualmente o famigerado Morro da
Conceição para agradecer por mais um ano de bênçãos, para pedir graças e pagar
promessas feitas. É uma tentativa de encontro com Aquela que o povo, tranquila
e instintivamente, aceitou como sua Mãe, sem a necessidade, para isso, de
longos estudos ou intensos debates teológicos.
Como forma de demonstrar o amor
que sentem por sua Boa Mãe, centenas e milhares de pessoas se aglutinam nas
ladeiras que dão acesso ao Santuário a Ela dedicado. Há quem percorra o trajeto
de joelhos, a pé ou mesmo se rastejando. Crianças vestidas de anjos e uma
infinidade de velas acessas aos pés da imagem da Imaculada são de praxe.
Paralelamente, centenas de vendedores ambulantes vendem de tudo: desde artigos
religiosos a bebidas alcóolicas (o que acredito ser absurdamente inadequado a
uma festa religiosa, diga-se de passagem), movimentando e muito o comércio
local. Nem o sol nem a chuva são capazes de fazer com que, ininterruptamente, a
imagem se repita ano após ano. Eu, porém, recatado que sou, prefiro participar
da Santa Missa deste dia de preceito na Matriz de Beberibe, da qual a Imaculada
Conceição também é padroeira. Mas isto é outra estória.
O que me leva a digitar esse
texto é algo que a pouco tive o prazer de estudar e o que São Luiz Maria de
Montfort relata em sua mais famosa obra, “O Tratado da Verdadeira Devoção à
Santíssima Virgem Maria”, a saber: os excessos do culto e as falsas devoções
praticadas. A despeito do termo “falsas devoções”, não significa que as pessoas
que incorrem neste erro são mal intencionadas, pois geralmente essas
pseudodevoções passam despercebidas por aqueles que a praticam.
Como bem nos mostra o Santo de
Montfort no livro que acabei de citar, a devoção para com a Santíssima Virgem é
necessária aos cristãos para uma mais perfeita imitação de Cristo, nosso
objetivo nas estradas dessa vida. Transcorrer os passos de Jesus no decorrer
dos tempos sempre foi a realidade da Igreja e o desafio amorosamente aceito
pelos Santos. Contudo, devido à dificuldade da perseverança nesta via bendita,
ante todas as seduções do mundo e tentações do demônio, muitos foram os que
dela saíram e perderam a Graça de Deus. Sobre essa realidade, nos diz São
JoseMaria Escrivá: “Começar é de todos; perseverar, de Santos”, mostrando que
a única maneira de chegar à Santidade é através do fiel seguimento do discípulo
por toda a sua vida, precisando, para isso, estar imprescindivelmente
sustentado pela Graça Divina.
Como forma de mostrar um caminho
certo e tranquilo para chegar a Jesus, São Luiz nos apresenta como meio
extremamente eficaz a Devoção a Virgem Maria. Fiel discípula, humilde de
coração, vazia de si mesma, mas totalmente repleta da Graça Santificante, como
narra o Santo Evangelista a saudação do Arcanjo: “Ave, Maria, gratia plena,
Dominus tecum” (Ave, Maria, cheia de Graça, o Senhor é contigo) (Lc 1,28), Maria consiste
no exemplo perfeito de seguimento e submissão à vontade do Altíssimo. Nada
queria juntar para si, mas tudo queria oferecer a Deus. Desde Nazaré a
Jerusalém, da Anunciação ao suplício de seu Filho na Cruz, viveu contínua e
decididamente seu Fiat interior e
silencioso, no qual repetia em seu coração aquilo que Ela mesma exortou aos
serventes nas Bodas de Caná da Galileia: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Por
esses e tantos outros motivos que aqui não serão citados (por minha débil
compreensão da posição que esta Bendita Mulher ocupa, e devido à minha própria
insignificância diante dos infinitos favores que o Senhor a concedeu, não
permitindo que eu enxergue o esplendor que o Altíssimo a quis revestir),
precisamos ser devotos da Amorosa Escrava do Senhor.
Aqui chegamos ao ponto principal
do texto: afinal, o que é ser devoto? A verdadeira devoção implica, além da
admiração e amor próprios para com a Doce Maria, sobretudo, no esforço de
imitar seu exemplo de discípula de Cristo. Para ser verdadeiro devoto da Virgem
Maria, é necessário ter uma vida sacramental (confissões, comunhões etc)
concreta; ser incessantemente orante; exterminar o amor próprio, enraizado no coração,
permitindo, assim, mergulhar profundamente nas águas da humildade; e, que como
consequência, depois de tão vazio de si mesmo, tornando-se inteiramente de
Maria, esta humilde Senhora, por intermédio de seu Adorável Esposo, o Espírito
Santo, gerará nesta alma mais uma vez o seu Divino Filho, ao ponto de que este
pobre pecador, amparado na Misericórdia Divina, enfim poderá exclamar com o
Apóstolo: “Já não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20).
Por isso, devemos ter cuidado com
as falsas devoções a Santa Mãe de Deus, das quais, como ainda nos recorda São
Luiz, são ciladas armadas pelo demônio para enganar as almas, fazendo com que
estas, achando erroneamente que são verdadeiras devotas da Santíssima Virgem, vivam
uma vida tíbia e sem a verdadeira chama da Fé e da Caridade, que consome o
coração e leva ao Céu. Devemos ainda lembrar o que diz o Santo Autor: toda
verdadeira devoção tem, obrigatoriamente, Cristo como seu fim último. Em outras
palavras: a devoção tem de levar a pessoa a uma real mudança de vida, a fim de
que esta possa, por auxílio dessa prática de fé, imitar verdadeiramente a
Cristo; do contrário, é falsa e enganosa!
Isso posto, que a nossa expressão
de fé não seja simplesmente o resultado de uma cascata de neurotransmissores
agindo no organismo ou que esta fique restrita às exterioridades, caracterizadas
na demonstração de uma emotividade infértil e efêmera. A Fé é uma realidade
profunda do Crer, não sendo fundamentada superficialmente no Sentir. O nosso
relacionamento com Maria deve nos levar a uma mais perfeita vivência de seu fidelíssimo
exemplo de discípula, serva e missionária, levando-nos, deste modo, a uma
intensa comunhão e união com o Senhor, pelas quais somos
salvos.
2 comentários:
Salve Maria!
Comecei a ler se texto no facebook e vim para cá terminar. Não me arrependi, definitivamente. Ótimo texto!Que bom seria se todos tivéssemos uma devoção verdadeira.
Maísa.
Nossa Alegria!
Que bom te receber no blog, irmã Maísa! Muito obrigado pelas palavras.
De fato, seria maravilhoso se todos tivéssemos a prática devocional que nos propõe São Luiz Maria de Montfort. Certamente, caminharíamos a passos largos em direção ao Céu e tantos outros irmãos, vendo os exemplos de testemunho, traçariam os mesmos passos através da Devoção à Santa Mãe de Deus e nossa.
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